2025-11-25
Comunicado da La Vía Campesina para o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres
Há 26 anos, o dia 25 de Novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, lembra ao mundo: Chega de violência contra as mulheres! No entanto, este dia chega num contexto marcado por múltiplas crises – climática, alimentar, económica, política, migratória e de cuidados – que ameaçam os avanços em matéria de igualdade, a tal ponto que, segundo a ONU Mulheres, serão necessários quase 300 anos para alcançar a igualdade de género.
Para nós, na La Vía Campesina, a situação continua mais alarmante do que nunca: os poucos direitos conquistados pelas mulheres, especialmente pelas mulheres camponesas, pastoras, pescadoras, sem terra, assalariadas agrícolas e sazonais, hoje estão a retroceder, enquanto as taxas de violência continuam a aumentar no campo.
De acordo com o relatório do Secretário-Geral da ONU sobre a situação das mulheres e meninas rurais, 43% da população mundial vive em áreas rurais e, das 80% das pessoas em situação de pobreza extrema que vivem no meio rural, metade são mulheres. O relatório evidencia que a desigualdade persiste: as mulheres rurais ganham apenas 82 cêntimos por cada dólar que os homens ganham na agricultura e, em muitos países, apenas 29% das leis garantem efectivamente a igualdade de direitos sobre a terra.
Da mesma forma, vemos com grande preocupação o fortalecimento da direita e da extrema-direita no mundo, juntamente com conservadorismos que ameaçam direitos históricos e básicos das mulheres. Esta dinâmica é acompanhada por guerras, conflitos, genocídios, crises climáticas, discriminação, colonização directa e indirecta dos territórios, militarismo — expondo as mulheres camponesas, as crianças e as pessoas LGBTQIA+ a graves ameaças à sua segurança e a diversas formas de violência sistémica e estrutural.
Como movimento camponês, observamos com horror que em algumas regiões do mundo, como Gaza, Sudão, Congo, Haiti e Equador, por exemplo, as populações sofrem diariamente massacres, execuções brutais e ataques extremos, onde a violência atinge o seu paroxismo. Em 2024, a ONU estimou que 676 milhões de mulheres e meninas, ou seja, 17% da população mundial, viviam a menos de 50 km de zonas de conflito, o registo mais alto desde a década de 1990. Esta realidade representa uma catástrofe humanitária de dimensão planetária e, apesar da magnitude destas atrocidades, os direitos internacionais e os mecanismos de protecção continuam completamente sobrecarregados, incapazes de proteger os sobreviventes, sendo as mulheres e as crianças que pagam o preço mais alto e estão expostas a tácticas de guerra brutais, como o uso da fome e da violência sexual como armas de guerra.
As mulheres rurais, assim como as urbanas, seja no mundo árabe, em África, na América Latina, na Ásia ou na Europa, todas sofrem violência, injustiças e crimes contra a humanidade. Essas realidades são inegáveis e não podem mais ser minimizadas. A violência afecta todos os aspectos da vida de uma mulher: físico, psicológico, sexual, económico, político, patrimonial, cultural, institucional e ambiental.
A isso somam-se as alarmantes taxas de feminicídios, que provam de que o direito fundamental à vida das mulheres — guardiãs da vida — permanece em perigo permanente. De acordo com um relatório da ONU publicado em 2024, todos os dias morrem 140 mulheres ou meninas às mãos ou por acções do seu parceiro ou de um familiar próximo, ou seja, uma mulher ou menina a cada dez minutos. Esta realidade reflecte as falhas de um sistema global que é simultaneamente capitalista, patriarcal, colonial e racista, que orienta as políticas locais e internacionais e condena metade do planeta a viver em constante perigo e injustiça estrutural, longe de qualquer igualdade de género. A universalidade destes factos não é casual: é reforçada pelas hierarquias patriarcais e pela escassa representação feminista nos espaços de poder, perpetuando a violência estrutural e a desigualdade de género.
As mulheres camponesas, indígenas, trabalhadoras migrantes, sem terra, pastoras, pescadoras, nómadas e colectoras estamos na linha de frente das lutas e resistências contra todas as formas de violência e contra o sistema capitalista mundial que confisca a soberania dos povos e a paz. Guardiãs dos sistemas de vida e da resiliência das comunidades, estamos no centro das lutas pela justiça climática, pela terra e pela alimentação saudável. Protectoras da terra, preservamos os nossos territórios e as sementes, e alimentamos as nossas famílias, comunidades e o mundo inteiro. O nosso trabalho de cuidado desafia os modelos económicos e políticos da morte: preservamos as práticas agrícolas ancestrais, asseguramos a produção e transformação dos alimentos e garantimos uma alimentação saudável para todos, desempenhando um papel crucial na luta pela soberania alimentar. Ao mesmo tempo que propomos mudanças estruturais baseadas nos direitos, somos sujeitos políticos de mudanças e transformações que sustentam a vida e o planeta.
Realizamos um trabalho produtivo — que sustenta as economias locais e os territórios — e um trabalho reprodutivo — que mantém a vida, a solidariedade e a coesão das comunidades. No entanto, no cerne dessa missão vital, somos privadas do direito à terra e aos recursos que garantem a nossa autonomia, dignidade e justiça. Somos as mais afectadas pela fome, pelas crises climáticas, pela pobreza e pela falta de cuidados.
Realizamos um trabalho produtivo — que sustenta as economias locais e os territórios — e um trabalho reprodutivo — que mantém a vida, a solidariedade e a coesão das comunidades. No entanto, no cerne dessa missão vital, somos privadas do direito à terra e aos recursos que garantem a nossa autonomia, dignidade e justiça. Somos as mais afectadas pela fome, pelas crises climáticas, pela pobreza e pela falta de cuidados.
Por isso o nosso movimento considera que a verdadeira revolução para um mundo mais justo, em paz e capaz de garantir a soberania alimentar não poderá ser alcançada sem as mulheres e a sua justiça. Continuamos a nossa luta camponesa, mulheres e homens unidos, para defender a vida e a justiça no mundo contra este sistema global baseado na lógica da destruição e do lucro capitalista, que ameaça a Mãe Terra, os sistemas ecológicos, as comunidades rurais, a soberania alimentar, a nossa saúde e o futuro das gerações vindouras.
A nossa visão do mundo, baseada nos princípios da soberania alimentar, da reforma agrária e das práticas agroecológicas, é uma resposta a todas estas crises contra a pobreza e a fome. Neste dia, apelamos a todas as nossas organizações regionais e locais, aos nossos aliados e aliadas, movimentos e colectivos sociais, bem como a todas as pessoas de consciência, para que se reúnam e se mobilizem para pôr fim à violência contra as mulheres, as meninas e as diversidades, tanto no campo como na cidade, e contra as guerras e genocídios. A nossa luta pela paz é colectiva e solidária.
