2025-04-17
Hoje, 17 de Abril, camponeses de todo o mundo celebram o Dia Internacional da Luta Camponesa[1], reafirmando a luta em defesa dos direitos dos pequenos e médios agricultores e da Agricultura Familiar, denunciando as dificuldades impostas e apresentando propostas concretas para as ultrapassar.
A CNA, com as demais organizações camponesas unidas na Via Campesina, comemora este dia sob o lema “Terra, Água e Territórios para a Vida”, saudando todos os camponeses, os pequenos e médios agricultores familiares e produtores florestais, os compartes de baldios, as mulheres agricultoras.
Este ano, celebramos também uma das muitas conquistas do 25 de Abril – os 50 anos da Lei do Arrendamento Rural – que foi de extrema importância para os rendeiros, que se encontravam, durante o fascismo, numa situação de inferioridade em relação ao senhorio, o que constituía um forte obstáculo à expansão e melhoria das condições de vida daqueles que trabalham nos campos.
As questões da posse e uso da terra continuam hoje a ser centrais, quando se discute a soberania alimentar e os modelos de agricultura mais capazes de dar resposta aos desígnios de alimentar em quantidades suficientes, com alimentos saudáveis e seguros, segundo métodos e processos sustentáveis, e reconhecendo o direito aos povos de decidirem o que, como e quanto querem produzir.
Por todo o mundo, e também em Portugal, avança a industrialização da agricultura, o açambarca-mento e concentração da terra, a sua mercantilização e financeirização especulativa, a coexistência da progressão da agricultura intensiva e superintensiva com o subaproveitamento e o abandono. A degradação das paisagens e das terras cultivadas coexiste com a expansão de usos não agrícolas em terras com aptidão produtiva, de que são exemplo as culturas energéticas e a nova monocultura dos tempos pós-modernos: o painel solar.
Em 2015, o Comité Económico e Social da União Europeia alertou para a concentração da terra como um grave risco, sendo incompatível com o modelo europeu de agricultura sustentável e multifuncional em que predominam as explorações familiares, o que causa danos irreversíveis aos sistemas económicos rurais e conduz a uma agricultura industrializada que a sociedade não quer. A União Europeia (UE) não tem feito grande coisa a propósito e os nossos governos também não. Muito pelo contrário, os problemas que hoje se colocam aos agricultores e à população são resultado das opções políticas de sucessivos Governos e da UE, de ataque aos pequenos e médios agricultores e de favorecimento do agro-negócio.
As estatísticas oficiais revelam que, entre 1989 e 2019, desapareceram perto de 285 mil explorações no Continente, mas o número de explorações com área superior a 50 hectares subiu 33% e a área média por exploração passou dos 7 para os 15 hectares.
No mesmo período, o número de explorações que fazia uso predominante de terras arrendadas caiu 90%, e a superfície agrícola arrendada diminuiu 45%. Entre 1999 e 2019, a diminuição do recurso ao arrendamento, como forma predominante de exploração, deu-se sobretudo nas explorações de pequena dimensão económica (-85%) e de média dimensão (-51%). Em contraste, o número de explorações de grande dimensão económica, ou seja, superior a 100 mil euros, que são fundamentalmente arrendatárias, subiu 34%. Hoje, quem arrenda a terra, são sobretudo explorações com grande poder económico e com grande dimensão fundiária. Para as pequenas explorações o arrendamento é uma opção residual.
O apetite predador dos fundos de investimento a nível mundial, que olham para a terra como um activo, não para produzir, mas para garantir a rentabilidade que os mercados financeiros já não dão, criou uma forte pressão sobre a disponibilidade e o preço da terra. As notícias dão conta de um aumento de 150% no investimento em terras agrícolas entre 2022 e 2024, indiciando a especulação neste negócio agora mais assegurado com a Lei dos Solos recentemente aprovada na Assembleia da República.
Os preços da terra têm aumentado vertiginosamente. Segundo fontes especializadas, um hectare no Vale da Vilariça passou de 5 a 10 mil euros em 2021 para 21 mil euros em 2023 e na Cova da Beira essa evolução foi de 15 mil euros por hectare para 35 mil euros. Para os pequenos e médios agricultores, rendeiros, é hoje quase incomportável aceder à terra para produzir.
O problema do acesso à terra é um dos factores que limita o rejuvenescimento da agricultura, somando-se aos brutais aumentos dos custos de produção, aos baixos preços pagos à produção muito provocados pela “ditadura” da grande distribuição, a uma PAC injusta que dirige a fatia de leão dos seus apoios a quem menos precisa deles e não apoia a instalação duradoura de jovens agricultores, à política de submissão ao comércio internacional liberalizado, com todas as suas volatilidades e de-pendências, de que a política comercial da actual administração dos EUA é o mais recente exemplo. Sem esquecer a desertificação de serviços públicos nos territórios rurais.
A CNA reclama medidas que combatam a concentração e a especulação sobre as terras, que limitem a acção dos fundos de investimento, contrariem a superintensificação, a degradação das paisagens e de valores naturais e não permitam usos não agrícolas nos solos com aptidão produtiva.
O reconhecimento do direito ao acesso à terra, em particular, para os pequenos e médios agricultores familiares, os jovens, as mulheres agricultoras e os compartes de baldios, é uma condição essencial para o desenvolvimento da produção nacional e para alcançar a Soberania Alimentar do país.
Neste 17 de Abril, reafirmamos a luta por outras e melhores políticas agro-rurais, pela construção de um modelo de produção, comercialização e consumo baseado na Agricultura Familiar e na Agroecologia, nos princípios da Soberania Alimentar, da solidariedade internacional e da justiça social.
[1] - O Dia Internacional da Luta Camponesa é assinalado desde 1996 pela Via Campesina para lembrar o massacre perpetrado em El Dorado do Carajás pelas forças policiais do Brasil que, compactuando com o grande agronegócio, assassinaram 19 camponeses que lutavam pelo direito à terra para produzir.
A Direcção da CNA
Coimbra, 17 de Abril de 2025