2025-02-27

47 anos de vida e luta por Soberania Alimentar e Direitos Camponeses

Assinalamos hoje os 47 anos de vida e luta da CNA, pelo direito dos camponeses à terra que trabalham, a uma vida digna fruto da justa remuneração do seu labor para alimentar as populações, enquanto protegem a mãe terra.

Ao fazê-lo, prestamos também a nossa homenagem e reconhecimento à Revolução dos Cravos, a Revolução do 25 de Abril de 1974 que derrubou o regime fascista que durante quase meio século oprimiu, reprimiu, matou, sacrificou a juventude à guerra colonial, manteve o povo na miséria e só neste último período, obrigou mais de um milhão de portugueses a emigrarem, muitos dos quais clandestinamente, por recusarem a guerra ou para procurar uma vida melhor.

A Revolução de Abril, para a qual muitos pequenos e médios agricultores e agricultoras também contribuíram com as suas lutas por objectivos concretos, trouxe aos campos a esperança num futuro melhor e mais justo.

Houve extensão rural, crédito acessível, escoamento e preços justos, o Estado criou organismos para apoio à agricultura, passou a haver segurança social. Para os nossos companheiros e os operários agrícolas do Sul, a Reforma Agrária criou a perspectiva de mais justiça na posse e uso da terra e uma vida melhor nos campos.

Mas o que alcançamos, cedo começou a ser-nos tirado por governos que se submeteram aos interesses do grande capital nacional e internacional, dos velhos e novos senhores da terra, sempre sob o embuste da modernização, que para tudo tem servido, menos para o desenvolvimento da agricultura e do mundo rural e todos sabem onde isso nos trouxe, a que grau de dependência alimentar essas políticas conduziram o país.

A entrada de Portugal na então CEE, ou melhor dito, a entrada da CEE em Portugal mais do que a apregoada “Europa connosco”, do Partido Socialista em coro com a direita e o grande capital, foi instrumento para destruir as conquistas da Revolução, destruírem o nosso aparelho produtivo na indústria, nas pescas, na agricultura.

Porque recusávamos o poço para onde nos queriam empurrar, agricultoras e agricultores começaram a abrir o seu próprio caminho. Foram meses de contactos, de conversas para vencer dúvidas e ultrapassar receios, cimentar a unidade de quem se confrontava com os mesmos problemas, de reuniões para conseguir a adesão de tantas Organizações de Agricultores.

E assim, em 26 de Fevereiro de 1978, em Coimbra, no ENCONTRO DAS ORGANIZAÇÕES DA LAVOURA E DOS AGRICULTORES DO MINHO, DOURO, TRÁS-OS-MONTES E BEIRAS com mais de 6 mil agricultores em representação de 223 organizações camponesas e delegações das outras regiões, foi criada a CNA – Confederação Nacional da Agricultura e aprovada a CARTA DA LAVOURA PORTUGUESA, que começava por afirmar:

“A Lavoura tem de ser ouvida. Do campo saem os alimentos para toda a população. Ou melhora a nossa situação e então a Lavoura sente-se animada, apoiada e com condições para produzir ou então estamos mal. E connosco está mal todo o País.

Certos da verdade das nossas palavras e da justiça que nos assiste, temos que todos juntos fazer ouvir a nossa voz e valer os nossos interesses e direitos.”

Com palavras simples mas objectivas, que todos entendiam, a CNA apontava já o caminho da luta que veio a ser consagrado e hoje, juntos na Via Campesina e com o apoio de muitas outras estruturas aliadas, são os pilares da nossa luta colectiva, a luta pelo cumprimento dos Direitos Camponeses consagrados na UNDROP e para alcançar a Soberania Alimentar dos Povos.

Porque constituída por Organizações de pequenos e médios camponeses e compartes de Baldios, a CNA foi marginalizada e mesmo perseguida por sucessivos governos defensores do grande agronegócio e submissos à UE e à PAC.

Só a luta persistente fez vingar a árvore da esperança que, a cada dia, enfrentando novas ameaças, continuamos a cuidar para que quem vive da terra tenha um futuro justo.

Na nossa luta camponesa comum, assente na solidariedade e na luta internacionalista, muito nos honra que a CNA, representada pelo nosso companheiro João Vieira, tenha sido, em 1993, membro fundador da La Via Campesina, “A voz global das camponesas e dos camponeses que alimentam o mundo”.

Se a vida camponesa nunca foi fácil, hoje, nuvens tenebrosas pairam sobre nós, mas também sobre os povos, principalmente as classes trabalhadoras que, como consumidoras são nossas principais aliadas e são também exploradas pelo agronegócio das corporações internacionais do grande capital.

A estas, só interessa maximizar o lucro obsceno, com o domínio de muitos governos, a prática escravização dos trabalhadores, a apropriação de terras, a sobre-exploração dos recursos naturais, os atentados à biodiversidade, em muitos países sob o disfarce de programas de apoio ao desenvolvimento, mas que apenas provocam miséria, fome, milhões de emigrantes.

Não é por acaso que, como a ONU reconhece, é nas zonas rurais, aquelas que produzem alimentos, que se encontram os mais elevados índices de pobreza e fome.

Impulsionada por fundos de investimento e fundações como a Bill e Melinda Gates, a orientação dada à evolução científica e tecnológica e os chamados programas para o desenvolvimento, mais do que direccionados para a melhoria da alimentação e das condições de vida dos povos, tem servido as grandes corporações do agronegócio internacional que se vão apropriando dos sistemas produtivos e alimentares perante a impotência, mas também cumplicidade, de muitos governos e da própria ONU.

As Cimeiras dos Sistemas Alimentares de 2021 e de 2023 promovidas pela ONU, com o empenho do seu secretário-geral, mostram bem as transformações que se operam na governança mundial dos sistemas produtivos e da alimentação, com a desvalorização do papel dos Estados, as limitações ou mesmo exclusão da participação dos Movimentos Sociais, a sobrevalorização da intervenção dos chamados “Multi-stakeholder”, no fundo, entregando os destinos da governança da alimentação mundial aos interesses privados de domínio económico e político de um punhado de corporações do capital internacional.

Segundo o último Relatório da ONU sobre o Estado Global da Segurança Alimentar e Nutricional, no mundo, em 2023, havia 733 milhões de pessoas com fome, o que denuncia um recuo de 15 anos no combate à fome, havendo agora quase 29% da população mundial em situação de insegurança alimentar.

Na nossa região Europa e Ásia Central, 111 milhões, cerca de 12% da população, não tem o suficiente para comer, situação em que vive 11,5% da população de Portugal onde, dados de 2022 revelam que aumentou para 17% o risco de pobreza.

Por carência de alguns indicadores sobre a região ECA, foco-me mais em Portugal e na União Europeia.

No seguimento do Plano Marshall, para a reconstrução das economias de alguns países, mas também com o inegável objectivo político de os atrair à esfera de influência dos EUA, depois da NATO em 1949, foi criada em 1951 a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Alemanha Ocidental, a França, a Itália, os Países Baixos, a Bélgica e o Luxemburgo. Com o Tratado de Roma, em 1957 é criada a CEE, União Europeia, a partir de 1993.

Quanto à estrutura agrícola da União Europeia, só entre 2005 e 2020, foram eliminadas 5,3 milhões de explorações agrícolas, restando pouco mais de 9 milhões de explorações, das quais 64%, aquelas até 5 ha, globalmente as da agricultura familiar e camponesa, detêm apenas 6% das terras, enquanto 4%, as explorações com mais de 100 ha, detêm 52% das terras agrícolas.

Em Portugal, entre o Recenseamento de 1989 e o ano de 2023, foram eliminadas mais de 285 mil explorações, 48% das então existentes, enquanto a área média passou de 9,4 ha para 14,8 ha e 72,2% das explorações até 5 ha têm apenas 9,2% da área total. Os 4,6% das explorações acima de 50 ha ocupam já quase 70% da superfície agrícola útil.

A cada Reforma da PAC o discurso é sempre enganador e como costumamos dizer, querem vender-nos gato por lebre. A PAC é a política do grande agronegócio capitalista, das grandes empresas de produção intensiva cada vez mais concentradas, da agro-indústria a montante e a jusante da produção, do negócio internacional vangloriando-se a UE de ser o maior importador mundial de commodities e o maior exportador de produtos transformados.

Agora temos em cima da mesa o Tratado UE-MERCOSUL, livre para o grande capital, mas de exploração dos agricultores, dos trabalhadores, das populações.

Demonstração de que a PAC não corresponde às nossas necessidades como produtores e consumidores é dada pela Distribuição de Valor na Cadeia Alimentar com Portugal a ter números próximos da média da UE, em que, do valor final, cabem às explorações agrícolas 22%, enquanto a indústria fica com 27% e a grande distribuição e serviços abocanha 51%. Por outras palavras, por cada 100 € que o consumidor paga, quem produz recebe apenas 22 €, dos quais cerca de 75% são custos de produção. O agricultor tem para viver com a sua família somente 5,5 € dos 100 que o consumidor paga.

Em Portugal, para além do cerco dos regulamentos que excluem das Ajudas cerca de metade das explorações e concentram os apoios nas que não produzem ou não precisam de apoios, as medidas políticas dos governos são dirigidas ao reforço das grandes explorações enquanto à Agricultura Familiar e Camponesa põem a corda ao pescoço.

No 7º Congresso da CNA, em 2014, aprovamos a proposta de Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesas que deu origem ao Decreto-Lei que em 2018 o consagrou.

Não basta aprovar leis, é preciso implementá-las, mas os governos são primeiros a dizer uma coisa e fazer outra e por isso, a implementação do Estatuto continua a ser uma das bandeiras de luta da CNA.

As nossas explorações, as nossas terras estão cada vez mais ameaçadas, não só pelas políticas económicas, mas também por medidas políticas (ou falta delas).

Os povos das terras comunitárias (os Baldios) são discriminados para, na prática, eliminar também esta conquista de Abril, mas também os agricultores que sofrem enormes prejuízos com os animais selvagens e não conseguem continuar a produzir, os que produzem mas são forçados a vender a preços de miséria…, as corporações da distribuição manipulam os preços criando as suas próprias explorações.

Novas pragas, como a mineração ou a instalação de painéis fotovoltaicos ocupam já muitos milhares de hectares. Agora foi mesmo aprovada uma alteração à Lei dos Solos para permitir urbanizar terrenos agrícolas que, como sempre, atinge em primeiro lugar a Agricultura Familiar camponesa.

Resultado: grande redução da biodiversidade, esgotamento dos solos e recursos naturais, desertificação humana, uma cada vez maior dependência alimentar com um déficit de mais 5.500 milhões de euros, mas com exportações do grande agronegócio de 8.200 milhões de euros.

 

Companheiras e companheiros:

Como não nos lembramos nas nossas vidas, a humanidade sofre hoje ameaças nunca vistas.

São guerras e genocídios, são milhões de emigrantes e populações deslocadas, é a fome e a subnutrição, são as alterações climáticas com fogos devastadores, inundações, secas, temperaturas extremas, é a redução da biodiversidade e o esgotamento dos recursos naturais, é o cavalgar das classes dominantes, o ressurgimento de forças da extrema direita enquanto os bancos, as corporações do grande capital acumulam cada vez mais lucros em cima da degradação das condições de vida, da fome e miséria dos camponeses e classes trabalhadoras.

Aqui manifestamos a nossa solidariedade com todas e todos os explorados, com o martirizado povo da Palestina, enquanto reclamamos o reconhecimento do seu Estado.

Nestes tempos sombrios, resistir é já um passo e o reforço da organização e da luta camponesa pelo direito à terra, por preços justos, pela implementação e cumprimento da UNDROP, são uma necessidade que nos deve mobilizar a todos.

Assim como temos de estar unidos nas organizações camponesas, também temos de estabelecer pontes, reforçar contactos, construir unidade com outras organizações, sectores de actividade e populações vítimas da exploração.

Esta iniciativa de hoje, em que assinalamos o 47º aniversário da CNA, realizada em parceria com o Movimento Nyéléni na Europa e Ásia Central, é também para o debate de ideias e da proposta de acção para a transformação social, no quadro da preparação do 3º Forúm Global Nyéléni a realizar em Setembro próximo no Sri Lanka.

Os grandes rios começam por pequenos fios de água que se vão juntando e com a sua força abrem caminho nos terrenos mais difíceis até encontrarem a foz.

É assim a nossa luta comum: organizar, lutar pelos objectivos comuns que a todos nos unem: a paz, os direitos camponeses, a soberania alimentar dos povos.

VIVA O 3º Forúm Global Nyéléni !

VIVA A CNA !