2024-09-06

Agroecologia camponesa: o trigo de barbela

 

Faço cereais praganosos, trigo, e também faço milho para preservar sementes. A minha preocupação, primeiro, é preservar as nossas sementes que estão adaptadas ao território e preservar o conhecimento a elas associado, que também se está a perder. Porque, entretanto, deixou de se fazer e deixou de se saber fazer.

Preservar as sementes porquê?

Porque elas, ao longo da História, passaram todos os testes, estão adaptadas às nossas condições e para mim, embora cultive vários trigos antigos portugueses e de outros países, o barbela é o topo. E é-o porque está particularmente adaptado ao tipo de solos que temos. É um trigo que se pode inserir na transição agroecológica porque pela sua altura de palha podemos evitar a aplicação de herbicidas.

Este ano foi um desses casos, tivemos uma Primavera chuvosa e quando temos uma Primavera chuvosa vêm ervas, que nós dizemos em linguagem de agricultor chamamos ervas serôdias. E essas ervas, das duas uma, ou são pulverizadas com herbicida selectivo ou então são colhidas juntamente com o trigo. Fica tudo misturado porque agora estamos também numa situação em que as ceifas são feitas por debulhadoras que ceifam e debulham na hora, contrariamente ao que era feito no século passado, em que, normalmente, o trigo era debulhado 15 dias depois de ser ceifado. Para além da vantagem de durante estes 15 dias o grão ir recebendo os sais minerais que estão na palha – agora já não é possível fazê-lo – quando chegavam à eira para ser debulhados tudo estava seco: o trigo e as ervas. Saía limpinho quase para ir debaixo da mó.

Ora aconteceu com esta Primavera chuvosa que os trigos antigos resultaram (porque as ervas não os afectaram) e eu conheço searas de trigo moderno (quando falo de trigo moderno é trigo anão, porque os trigos foram nanificados a partir da I Guerra Mundial) que não puderam ser colhidas, já que era tanta a erva que a ceifeira ia misturar a erva com trigo.

Tudo isto é mais grave na situação trágica de estarmos dependentes da produção do estrangeiro.

 

Excerto da intervenção de João Vieira, agricultor e membro dos órgãos sociais da CNA, na mesa-redonda “Agroecologia: o que pensam os agricultores”, realizada a 5 de Setembro, em Viseu, durante o X Congresso Internacional de Agroecologia.