2024-04-30

50 anos do 25 de Abril: LUTAS PASSADAS E FUTURAS DA CNA

Intervenção de Adélia Vilas Boas – Seminário Internacional 50 Anos 25 Abril

Setúbal, 23 de Abril de 2024

 

É com enorme alegria que estamos aqui hoje a celebrar os 50 anos do 25 de Abril, Revolução dos Cravos que abriu as portas à liberdade e melhorou muito as condições de vida dos agricultores, das populações rurais e do povo em geral.

Saudamos todos aqueles e aquelas que, antes do 25 de Abril, lutaram para derrubar a ditadura fascista e conquistar a Democracia.

Permitam-me, porque é justo, fazer uma saudação e uma homenagem muito especial às mulheres!

E começo por Maria Lamas, que desenvolveu o notável trabalho de retratar a condição social das mulheres no final da década de 40, na publicação As Mulheres do Meu País. No primeiro fascículo, dedicado às camponesas, cita a forma costumeira como as mulheres do campo definiam o seu destino – “a nossa vida é muito escrava!”.

E era!

Mas também testemunhou que “as mulheres estão sempre à frente de todos os protestos, desde que pressintam a ameaça de um agravamento das suas condições, já tão precárias, do seu viver. Elas sabem quanto lhes custa o granjeio do seu pão.”

Estavam e estão!

Estavam nas Marchas da Fome, nos anos 40, em protesto contra os racionamentos e o envio de géneros alimentícios para a Alemanha, estavam com Catarina Eufémia a lutar por melhores condições de trabalho e melhores salários, estavam incansáveis em casa e no campo a trabalhar de sol a sol desde crianças… estão hoje nas organizações camponesas e a contribuir de forma decisiva para a produção nacional, e muitas vezes invisibilizadas…

Estavam também nas lutas já no pós 25 de Abril, como Lúcia Gil, agricultora produtora de leite, a primeira mulher Dirigente da CNA, que numa manifestação em Coimbra irrompeu da multidão que ali protestava e incitou a um corte de estrada!

Foi também este movimento intenso de organização das massas que Abril espoletou junto dos pequenos e médios agricultores e das populações rurais, em torno da defesa de direitos e da resolução de problemas concretos, que conduziu à fundação da CNA, a 26 de fevereiro de 1978, em Coimbra, num encontro com mais de 5000 agricultores e 223 organizações da lavoura.

Nascia a Confederação representativa da pequena e média agricultura, dos compartes dos baldios e do Mundo Rural.

A Agricultura Familiar ganhava voz e dimensão nacional!

Voz que hoje ecoa a nível internacional, enquanto membros de La Via Campesina integrados na ECVC – Coordenadora Europeia Via Campesina que acolhemos nestes dias em Portugal, aqui também representada pela coordenadora geral da LVC, Morgan Ody, a quem pedimos que transmita as nossas calorosas saudações ao CCI e a todas as organizações irmãs.

A CNA é a Confederação que defende de forma abnegada os princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa (aprovada a 2 de Abril de 1976), que define os direitos fundamentais e as regras essenciais da Democracia.

Falamos dos direitos das mulheres (art. 9 e outros), da participação dos agricultores na definição da política agrícola através das suas organizações (art. 98), a necessidade de apoiar de forma preferencial a Agricultura Familiar e os pequenos e médios agricultores (art. 97), a propriedade comunitária dos Baldios (art. 89) a eliminação dos latifúndios (…) e as preocupações com a garantia de condições de igualdade para os trabalhadores agrícolas (art. 93).

Foram muitas as conquistas alcançadas com o 25 de Abril.

Mas se o caminho aberto é o certo e promissor, também cedo lhe foram colocando pedras e obstáculos.

Os que perderam privilégios logo os quiseram recuperar e a adesão de Portugal à então CEE (em 1986), com a consequente entrada da PAC – Política Agrícola Comum em Portugal, formou o rolo compressor que tem arrasado a agricultura familiar.

Desde então, sob as orientações dos que mandam em Bruxelas, com a cumplicidade e submissão dos sucessivos Governos, foram eliminadas em Portugal cerca de 400 mil explorações agrícolas, sobretudo pequenas e médias. A cada recenseamento agrícola, são ceifadas milhares de explorações familiares e aumenta a concentração da terra!

40% dos agricultores portugueses são excluídos das ajudas da PAC e 70% das ajudas vão para apenas 7% dos agricultores, os maiores e que menos precisam. (A injustiça é tanto maior quando se calcula que os 93% dos agricultores que recebem apenas 30% das ajudas, representam cerca de 50% do valor da produção.)

O rendimento dos agricultores degrada-se: é cada vez mais caro produzir e cada vez se recebe menos pelo que se produz.

Daquilo que os consumidores pagam pela sua comida apenas 24% vai para os agricultores (que daqui pagam elevados custos de produção) e 80% do comércio de bens alimentares está concentrado em oito grandes grupos económicos.

A população tem mais dificuldades em pôr comida na mesa, enquanto as grandes empresas de distribuição, de energia, de fertilizantes, entre outras, engrossaram os lucros ano após ano.

A liberalização total dos mercados é imposta pelo agro-negócio e os Governos recusam-se a regular preços e produção e assim vai imperando a lei do mais forte e o grande capital financeiro vai açambarcando a terra e fazendo da alimentação uma mera mercadoria. Os chamados tratados de livre comércio proliferam e esmagam camponeses por todo o mundo.

Este é o cenário que a PAC desenhou, de mãos dadas com a Organização Mundial do Comércio (OMC) – que amordaçou o direito humano à alimentação tornando-o num negócio voraz, milionário para uns poucos, à custa da fome e da miséria de muitos, incluindo aqueles que produzem os alimentos.

Os baldios, propriedade comunitária ancestral, que sempre serviram de complemento à agricultura, são novamente alvo de um ataque inaceitável, com a redução de 50% na sua elegibilidade para as ajudas da PAC, isto já depois de terem sido eliminados 90 mil ha de zonas baldias por via da Revisão do Parcelário. Com estes cortes são cerca de 25 milhões de euros que deixam de entrar na economia das zonas rurais onde existem baldios.

A história parece repetir-se e lembra-nos de quando o fascismo decidiu submeter os baldios ao regime florestal, o que obrigou os compartes a venderem o gado e a emigrar.

Quando assinalamos os 50 anos do 25 de Abril, que devolveu os baldios aos povos, os compartes estão novamente a ser privados do usufruto das terras comunitárias e forçados a vender os seus animais.

Isto não pode continuar.

Companheiras e companheiros, hoje celebramos Abril.

E apesar das adversidades e das dificuldades que impõem aos pequenos e médios agricultores, é com a luta organizada dos camponeses que alcançaremos melhores condições de vida e de trabalho no campo à luz dos valores de Abril e da Constituição.

Desde o início da fundação da CNA foram centenas de jornadas regionalizadas de luta, em centenas de localidades, pelo escoamento da batata e do vinho, contra a privatização dos matadouros, pelo aumento do preço do leite pago à produção, pela concretização de obras de regadio público …

São exemplos o corte da linha de comboio na Pampilhosa (em 1994), para travar as importações de leite de Itália, que estavam a arrasar os preços e a produção nacional, ou o corte da principal estrada do país pelos produtores de arroz (nos anos 80).

Muitas e grandiosas manifestações em Lisboa por melhores preços à produção, contra o programa de desastre da troika (em 2012) contra a tentativa de roubo dos baldios no Governo do PSD/CDS-PP…

Grandes manifestações com os companheiros e companheiras do Estado espanhol, de França e com a CPE, hoje ECVC, por ocasião das presidências portuguesas da União Europeia, para contestar as reformas da PAC destruidoras da agricultura camponesa: em 1992 na Curia, em 2000 em Évora, em 2007 no Porto e em 2021 em Lisboa.

Na defesa dos direitos camponeses, a CNA, no seu 7º Congresso, em 2014, apresentou a proposta de criação de um Estatuto para Agricultura Familiar, que veio a ser consagrado em Lei em 2018.

A concretização, plena e estruturada, das medidas preconizadas no Estatuto da Agricultura Familiar é fundamental para o cumprimento da Declaração da ONU dos Direitos Camponeses e outras pessoas que trabalham em Zonas Rurais”, para desenvolver as explorações agrícolas familiares, que constituem mais de 90% dos agricultores do país.

Tem sido sempre a CNA que ao longo destes anos representa e defende os direitos da Agricultura Familiar, dos pequenos e médios agricultores e produtores florestais e dos compartes dos baldios.

Seja na rua, seja no diálogo institucional, a nível nacional e internacional.

Estivemos, em Fevereiro, nas manifestações em Bruxelas, em defesa dos rendimentos dos agricultores e em grandiosas manifestações em Estarreja e em Vila Real, onde aprovamos um caderno com 8 medidas urgentes para a Agricultura Familiar:

  1. Preços justos à produção para rendimento justo – implementação de uma lei que proíba pagar aos agricultores abaixo do preço dos custos de produção;
  2. Defesa de áreas úteis utilizadas pelos compartes e cumprimento da lei dos Baldios
  3. Uma PAC justa com ajudas só para quem produz
  4. Concretização do Estatuto da Agricultura Familiar -
  5. Indemnização aos agricultores pelos prejuízos causados por animais selvagens
  6. Direito ao acesso à terra, aos recursos naturais e a um ambiente equilibrado
  7. Devolução da Casa do Douro aos viticultores durienses
  8. Um Ministério da Agricultura forte e serviços públicos de qualidade no Mundo Rural

São estas e outras reclamações que levaremos a uma audiência (a 24 de Abril) com o novo Ministro da Agricultura.

E se não formos atendidos nas nossas reclamações continuaremos a luta, na rua, sempre que necessário e onde for preciso.

Sabemos que muito melhor estaria a Agricultura se os sucessivos governos tivessem ouvido a voz da CNA, e as propostas que ao longo destes anos – sempre com os agricultores – continuamos a discutir, a actualizar e a reclamar.

Se volvido meio século, há princípios da revolução por cumprir e ameaças que pairam sobre os campos e sobre a população, de retirada de direitos e dignidade, também podemos dizer que valeu muito a pena!  

E cá estamos para fazer cumprir abril!

E nem as dificuldades nem os recuos apagam a real importância das conquistas alcançadas por Abril de 1974.  

No encontro fundador da CNA, 1978, um dos agricultores presentes dizia, dirigindo-se aos seus companheiros:

“Vocês que tem as mãos mais perfeitas do mundo e sabem acariciar a terra, também são capazes de com elas fazer justiça”.

E até hoje – e seguramente nos tempos vindouros –, camponesas e camponeses, a cada novo ciclo e a cada nova Primavera, continuaremos com as nossas mãos a lançar à terra as sementes de Abril, numa labuta e luta diárias, de olhos postos no futuro.

Não baixar os braços sempre nos caracterizou.

Certos da justeza da luta, de pé, unidos e em acção com os muitos milhares de agricultoras e agricultores familiares, no nosso país e em todo o Mundo – CNA e Filiadas, com a Via Campesina – não calaremos as nossas reclamações, por um país – e por um mundo – mais solidário e justo!

Empunhando bandeiras de esperança, em defesa da Agricultura Familiar e por um Mundo Rural vivo e vibrante!

Por escoamento a preços justos, por melhores condições de vida e de trabalho, pelo direito à terra, e a uma alimentação saudável e sustentável e pela Soberania Alimentar do País e de todos os povos do mundo!

Em defesa dos valores de Abril, pela democracia e pela paz!

Viva a CNA e a Via Campesina!

Viva a Agricultura Familiar e o Mundo Rural!

Viva o 25 de Abril!