2024-03-19

Aqui também os Lobos Uivam!

Por Teresa Gonçalves

Conselho Nacional da CNA

APT – Associação dos Agricultores e Pastores do Norte

 

Já se dizia pelo ano de 1958 que ‘’A serra é dos serranos desde que o mundo é mundo. Quem vier para no-la tirar, connosco se há-de haver!’’ e, ao ser dito, foi CENSURADO. Isto deu-se quando o Estado Novo impôs uma nova lei, onde os terrenos baldios, que sempre tinham sido utilizados para o bem comunitário e onde essa comunidade retirava parte vital do seu sustento, seriam agora ‘’expropriados’’ e esses terrenos utilizados para plantar pinheiros. Assim, sem mais nem menos, o Estado vem e diz que, a partir daquele momento, ACABOU.

Também agora, volvidos 66 anos, os serranos nos seus baldios se vêm em mãos com o ‘’mesmo’’ desafio. Desejam entrar pelas suas áreas de forma tão abusiva. Não querendo saber, ou tão pouco prestando atenção às gentes e às suas formas de vida. Os compartes viram a sua área útil reduzida, em alguns casos em 90%. Deixam de poder candidatar as áreas de baldio, ainda que na realidade esta tanta falta lhes faça para o seu sustento e sobrevivência. Estes espaços de montanha são áreas de eleição para o pastoreio, especialmente na primavera/verão, em que os animais têm ali pastagem disponível para assegurar exclusivamente a sua alimentação e as áreas privadas são reservadas para produção de forragens que permitirão a alimentação no inverno seguinte.

Os Baldios, terras comunitárias tradicionalmente geridas pelas comunidades locais, desempenham assim um papel crucial no espaço rural onde se encontram, não só pelo apoio da agricultura e da pecuária, fundamentais para a economia local, como são bastiões da tradição e da biodiversidade. No entanto, os já referidos cortes ameaçam desestabilizar este equilíbrio delicado, com impactos potencialmente devastadores para as comunidades e para o meio ambiente. E se em vez de legislarem cortes, lançassem políticas de conservação e gestão sustentável? Ou, quem sabe, promover incentivos para limpezas ou fogos de renovação de pastagens? Ou, talvez ainda, valorizar as práticas de proteção de biodiversidade? E porque não, já agora, deixar que estas gentes possam ter o seu trabalho, na conservação de um mosaico agrícola tão peculiar, reconhecido?

É crucial que, cada vez mais, se criem e avancem soluções sustentáveis que garantam a continuidade destas práticas ancestrais, fundamentais tanto para a economia local como para a preservação ambiental. A sociedade e os decisores políticos devem unir esforços para reverter a tendência dos cortes e proteger o legado rural para as futuras gerações. A preservação destas áreas é na verdade um contrato firme de gerações, entre as gentes teimosas e resilientes quais torga com as suas raízes profundas entre as rochas, resistentes às condições difíceis da natureza transmontana. São as raízes presas, desta alma pura de gentes sofridas e de coração nobre.

E por estas terras, vai caindo a noite. Cai a noite quando se ouvem os lobos, que os agricultores, leais amantes da natureza, os que mais desejariam uma convivência saudável, se vêm obrigados, involuntariamente, a alimentar. E cai a noite, pelos campos de batatas e pastagens tantas vezes revirados pelo javali. E cai a noite, pelos campos de milho a germinar irremediavelmente devorado pelos corvos. Cai a noite, pela geada tardia que dizima toda a sementeira. Cai a noite, pelo vitelo que perde a vida. Cai a noite, pelas continuadas perdas de rendimentos.

E ainda assim, com a noite como horizonte, estas gentes depositam a sua fé no nascer do novo dia com um único desejo, o desejo de poder VIVER, viver cá.

E como não deveria haver excluídos, que nos nossos campos floresçam não só com os sobreiros e que os lobos continuem a fazer-se ouvir.