2023-08-21
Aníbal Cabral, 58 anos, natural de Castelo Branco, é dirigente da AFIN – Associação Florestal do Interior, associada da BALADI – Federação Nacional dos Baldios e da CNA.
A AFIN surgiu no seio da Associação Distrital dos Agricultores de Castelo Branco (ADACB) com o objectivo de apoiar os agricultores e produtores florestais na actividade florestal e tem âmbito pluridistrital.
É possível viver da floresta em Portugal?
O produtor florestal tem vindo a perder rendimentos devido ao baixo preço da madeira e ao aumento dos custos de produção. Os apoios públicos são escassos e é muito difícil um produtor de forma isolada ter acesso aos mesmos. Muitos proprietários encontram-se desmotivados deixando as suas propriedades ao abandono por não terem rentabilidade financeira para fazer investimentos, incluindo na limpeza da floresta. O risco de incêndio é enorme, assim como os prejuízos provocados por pragas e doenças, como o nemátodo, por exemplo.
O que pensa sobre a “floresta de uso múltiplo”? Traz mais-valias para a região?
A nossa região tem enormes manchas contínuas de pinheiro-bravo e grandes plantações de eucaliptos. É necessário desenvolver mosaicos agro-florestais com espécies autóctones no meio do pinhal e eucaliptal fazendo conviver a agricultura, a pecuária e a floresta. O eco-turismo e a promoção de actividades desportivas, designadamente a caça, pesca e desportos de natureza podem ser uma mais-valia para os produtores e comunidades locais.
Que medidas aumentariam o valor económico das florestas?
Estimular o uso da produção nacional obstaculizando as importações desnecessárias, desburocratizar a certificação da madeira e derivados e intervir no mercado para uma maior valorização da resina, biomassa florestal e, principalmente, madeira.
A legislação não tem andado lado-a-lado com os problemas sentidos no terreno. Acha que o poder político está afastado da floresta? Como deve ser a floresta gerida pelo Estado?
Criou-se a ideia de que a pequena propriedade é “o problema” e que é preciso ganhar escala para termos uma actividade rentável e as políticas públicas partem deste princípio errado e, normalmente, não são assertivas. O problema é a pobreza das comunidades rurais provocada pelo mercado que não valoriza a madeira, nem os derivados da produção. As medidas de apoio público à floresta raramente chegam directamente aos pequenos produtores que são a grande maioria.
A floresta tem sido apontada como um dos factores para a recuperação social e económica de Portugal na próxima década. Acha que o sector florestal tem a capacidade de agarrar esta oportunidade?
Sim. Se a agricultura e a floresta forem devidamente apoiadas podem ser importantes actividades económicas na região e potenciadoras de novas indústrias e do turismo regional. Temos de promover uma floresta resiliente ao fogo e apoiar a dinamização e modernização de indústrias de ponta da fileira.
Portugal apresenta diferentes realidades no ordenamento do território. Serão as novas Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) uma solução para o problema da estrutura da propriedade?
Tem de haver um bom trabalho junto dos proprietários e tudo se deve fazer com o acordo dos mesmos. Compreendendo a importância de haver escala na gestão florestal, isso não deve inviabilizar o apoio a iniciativas concretas dos produtores individualmente considerados. Não podemos fazer depender os apoios da existência ou não de AIGP ou de Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) para poder intervir no território.
É possível um pequeno proprietário florestal cumprir as leis de gestão florestal?
Não é fácil, mas todas as formas e modelos de Associativismo tendo como finalidade aumentar o rendimento dos produtores devem ser acarinhados pelas entidades competentes.
Não podemos ficar fechados a um modelo que nos é imposto. Todas as leis de gestão florestal devem ser justas e compreendidas pelos produtores para que estes as sintam como necessárias.
Os preços à produção têm de ser justos porque os proprietários florestais só cuidam do que lhes dá retorno. Concorda?
Toda a produção deve ser entendida como uma actividade económica que deve gerar rendimento ao produtor e quando isto acontece os produtores investem. Não se pode pedir a um produtor para gastar dinheiro quando sabe que vai ter prejuízos e os preços do mercado são baixos.
O eucaliptal foi substituindo outras espécies, pelo facto de trazer rentabilidade aos proprietários, por se adaptar bem ao território e por ser de crescimento rápido. Da perspectiva do ordenamento florestal, que comentário faz a esta situação?
Em Portugal temos vários estudos e legislação suficiente para que o ordenamento se faça. Todas as espécies podem ser importantes desde que devidamente reguladas. Temos de assumir objectivos a curto, médio e longo prazos. Os pequenos produtores florestais devem ter um apoio anual pelas boas práticas florestais e ambientais e também como forma de compensação pelos serviços prestados ao ambiente.
Que perspectivas têm em relação ao futuro?
A floresta tem imenso potencial muito dependente das tendências do mercado. Nesta fileira não podem ser os intermediários/negociantes a ficar com a parte de leão e devemos saber travar a especulação do mercado. É também necessário colocar a investigação e a ciência ao serviço da produção e de uma estratégia nacional tendo como objectivo o rejuvenescimento da comunidade rural, a diminuição das consequências dos incêndios florestais e a consciencialização da importância ambiental da nossa floresta.
Entrevista publicada na Voz da Terra n.º 114 (Maio/Junho 2023)