2023-03-30

O “Paradoxo do Queijo da Serra” na nossa Região

 

Entre outros queijos de ovelha e cabra, por aqui se produz o queijo “DOP – Denominação de Origem Protegida Serra da Estrela” que é um queijo “especial” produzido a partir de leite de Ovelha da raça (autóctone) Bordaleira e também da Churra Mondegueira.  Actualmente, a produção de “DOP Serra da Estrela” deve ser superior a 200 toneladas / campanha e a aumentar que, entretanto, abriram mais algumas produções industriais.

Ora, raça das ovelhas, leite e queijo da serra – tradicionais – foram apurados, durante séculos, por sucessivas gerações de pastores/produtores, através de “saberes (e sabores) de experiência feitos”. Portanto, o actual “Queijo de Ovelha Curado” e até o “Queijo Serra da Estrela” são um património – muito legítimo – construído com imenso trabalho e muita sabedoria por essas sucessivas gerações de pastores/produtores. Pois de há alguns anos a esta parte, esse património ancestral tende cada vez mais para ser espoliado aos seus legítimos donos e criadores por parte de unidades de (grande) produção industrial diária, inclusive do Queijo DOP, o Serra da Estrela e que são unidades industriais que não possuem rebanhos pelo que compram o leite a produtores com Ovelha Bordaleira ou Mondegueira.  E logo aqui nasce um problema básico. Essas unidades industriais de grande e intensiva produção de Queijo de Ovelha (DOP ou não), por razões económicas e financeiras, precisam de processar leite durante 11, mesmo 12 meses por ano, sendo que, por exemplo, os rebanhos de Bordaleiras não produzem leite – com alto teor gorduroso e sem recurso a aditivos alimentares (tipo rações) para os animais – durante mais do que 8 ou 9 meses por ano. Portanto, essas indústrias ou congelam o leite ou o queijo ou vão comprar o leite fresco de que necessitam fora da Região. Mas onde e em que condições de produção e conservação que as “nossas” pastagens são irrepetíveis noutros locais?...  A esta pergunta, em primeiro lugar, devem responder a ASAE e as Brigadas de Inspecção Económica... Enfim, leite para queijo de ovelha curado, esse sabemos proveniente bastas vezes – até aos camiões-cisterna – desde a vizinha Espanha. E como é “conseguido” tanto leite de ovelha (e cabra) em Espanha, país grande produtor de queijos? Pois, ao que julgamos saber, “desdobrando” lá leite em pó em leite líquido, leite em pó (ovinos) vindo por exemplo de França...

 

Ultimamente, foi recuperado o efectivo de ovelhas Bordaleiras. Ainda bem!

É a indicação oficial que aparece cujo teor é de salientar tanto mais que, assim, foi ultrapassado o desastre causado aos efectivos da nossa Região pelo fogo grande de 2017. Ainda bem. Mas nós também sabemos que, em contrapartida, tem vindo a ser reduzido o número de pastores, logo de produção tradicional e mais “democratizada” – mais espalhada pelo território – de leite de Bordaleira o que não nos deixa tranquilos quanto ao futuro que é já hoje. Outros pastores, hoje já a maioria, optaram por vender o leite (agora desde 1,10 a 1,35 euros o litro, neste último caso de Bordaleira) para pequenas, médias e até grandes indústrias do sector dos lacticínios, que produzem Queijo da Serra (ovelha), por enquanto situadas na Região de produção do leite. Os preços ao consumidor regional variam mas pode dizer-se que, em média, os produtores industriais ou intermediários vendem o Queijo a mais de 3 vezes o respectivo custo em leite Bordaleiro que processam à razão de cinco litros para fazer um quilo desse Queijo.  Ou seja, a maior parte das mais-valias – mais de 70% do preço ao consumidor – incorporadas na cadeia de valor da fileira desse Queijo, vai para o bolso dos donos das indústrias da respectiva produção queijeira a partir de leite comprado aos pastores que, assim, acabam por ficar com menos de 30% da mesma cadeia de valor onde, aliás, se exige muito trabalho. É uma luta dura e diária!

 

A face do “Paradoxo do Queijo” são as Feiras do “Queijo Serra da Estrela, DOP” na Região

Proliferam Feiras e Festas do “Queijo Serra da Estrela” quase sempre promovidas por Municípios da Região Demarcada. Porém, os pastores de tipo familiar/tradicional estão ameaçados de desaparecimento a curto/médio prazos... caso as coisas continuem como vão com os custos de produção muito altos enquanto o preço do queijo ao consumidor (regional) se mantém entre os 15 e os 25 euros o quilo, dependendo se é queijo de Ovelha ou se é queijo Serra da Estrela, DOP.  Ao mesmo tempo, as ajudas da PAC, Política Agrícola Comum, ao rendimento dos pastores, tendo significado todavia, por si sós, não “seguram” os pastores dos quais muitos estão a passar de ovinos/leite (e queijo) para ovinos/carne (borregos).

 

Eis pois a síntese do “Paradoxo do Queijo da Serra”:

Há cada vez menos pastores/produtores e há cada vez mais quantidades de queijos de ovelha e cabra – há várias feiras e festas do Queijo Serra da Estrela na Região Demarcada  mas onde cada vez mais por lá aparecem os queijos de ovinos de produção tipo industrial... a falar português... mas também a falar espanhol com sotaque afrancesado... E os promotores desses certames enchem a boca de queijo e falam para as televisões. E repetem e repetem a propaganda da defesa das “tradições” e blá, blá, blá...  Conversa da treta!

 

Dois casos esclarecedores embora em diferentes âmbitos de concretização

- “Para que vão continuar a ir comprar água cara em Espanha?”.

Há já uns anitos, encontrávamo-nos numa reunião de cariz associativo da CNA, com pastores e também dois ou três comerciantes de Queijo de Ovelha, por sinal em Celorico da Beira, desde início o concelho com maior número de queijarias certificadas do DOP Serra da Estrela. Então numa conversa paralela, um dos presentes dizia para outros a propósito de produção leiteira: “Mas porque é que vocês hão-de continuar a ir comprar água a Espanha?”. Ora, eu estranhei aquela pergunta e por minha vez interroguei-o para ele me esclarecer, ao que me retorquiu: “sim, que compram a máquina de ‘desdobrar’ o leite em pó (ovelha), passam a produzir leite líquido cá e assim escusam de continuar a ir comprar água cara em Espanha e a transportá-la para cá em leite...” – compreenda-se a ironia do “negócio”?!...

 

- Tem um dos melhores rebanhos de ovinos Bordaleiros e não faz “DOP – Serra da Estrela”.

Este ano, um pastor/produtor de Queijo de Ovelha – com rebanho e leite Bordaleiros – ganhou os primeiros prémios de um concurso de ovinos realizado numa destas “Feiras do Queijo Serra da Estrela”, da Região. Ganhou os prémios dos Carneiros (adulto e jovem ´malato´) e das Ovelhas e Borregas Bordaleiras. Ou seja, tem um dos melhores rebanhos da Região Demarcada com cerca de 80 cabeças que pastoreia com presença assídua ou seja sem especial recurso ao chamado “pastor eléctrico” que é uma cerca electrificada posta à volta do terreno com pasto. 

Este pastor/produtor de queijo vem de uma família de pastores/produtores com rebanhos de Bordaleira – tradicionais – e continua a fazer Queijo de Ovelha. Saiba-se que recuperou de forma zelosa e eficaz o seu bom rebanho bordaleiro duramente afectado pelo fogo grande de 2017 em que perdeu todo o chamado “alfeiro” (20 cabeças), esta a parte do rebanho em que os pastores põem as ovelhas prenhas mais tardias e as borregas jovens e que leva “maneio” à parte do resto dos animais. Entretanto, ele e a esposa e queijeira “de serviço” não querem produzir o “DOP – Serra da Estrela” por motivos como o encarecimento do Queijo e as burocracias que tal “certificação” acarreta. Assim, estão a vender o seu bom queijo à razão de 16 euros o quilo. Bom queijo que o é, e que melhor não seria caso eles sentissem necessidade de o certificar... Assim, praticam a “certificação” feita à vista e ao sabor.  A melhor de todas as “certificações”, podem crer!

Salvemos os Pastores! Salvemos o Queijo Serra da Estrela tal como o sabemos... comer!

Março de 2023

João Dinis, Jano