2023-02-17
Que o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum Português, o PEPAC, pouco ou nada de bom traria para a Agricultura Familiar já todos o sabíamos. Quer os regulamentos de Bruxelas, que a Ministra da Agricultura portuguesa tanto se empenhou em ajudar a construir, quer as opções governativas que fomos conhecendo desde 2020, deixavam antever o pior.
Foi, por isso, sem surpresa que vimos um PEPAC que, no essencial, mantém a desregulação do mercado, corta sem dó nem piedade no regime da pequena agricultura, diminui de forma significativa os apoios em zonas de montanha nomeadamente nos Baldios, ou “pinta de verde” explorações superintensivas, ainda que mantenham práticas lesivas à preservação do Meio Ambiente e da biodiversidade.
O que não se estaria à espera era que, a par de todas estas opções de política profundamente erradas, o Governo Português, esquecendo que um dos objectivos desta reforma seria o da simplificação, estivesse a criar um autêntico “monstro” composto por regras e burocracias que, em algumas situações, dificilmente serão passíveis de pôr em prática pela Administração e/ou de serem cumpridos pelos agricultores.
O novo PEPAC tem mais de 100 medidas, é certo que junta todos os apoios: as ajudas directas, o apoio ao investimento, as poucas medidas de mercado que ainda subsistem, mas, se nos reportamos apenas às ajudas directas, verificamos, face ao anterior Quadro da PAC, um aumento significativo de medidas e, por consequência, também de regras, obrigações, indicadores (e por aí em diante).
O que se afigura como certo é que a grande maioria dos agricultores, para manter o mesmo nível de apoios que tinham antes, terão de se candidatar a mais medidas, terão mais regras e limitações no exercício da sua actividade, com perdas de rendimento devido ao aumento dos custos resultantes destas novas imposições.
A confusão é tal que, a pouco mais de um mês do início das candidaturas [entretanto anunciado para Março] não há legislação publicada, nos serviços reina o desnorte (com cada um a puxar para o seu lado), há culturas já instaladas no terreno e os Agricultores não sabem o que fazer e como se organizar.
Um exemplo simples: para ter acesso a certas ajudas o agricultor será obrigado a possuir um caderno de campo em formato digital, obrigação que resulta da cegueira da política orientada para resultados, e a que poucos agricultores conseguiram escapar. O caderno de campo é um documento fundamental em qualquer exploração agrícola e ninguém dúvida disso, se estiver em formato digital, melhor, dado que aumentam as possibilidades de utilização desses dados para uma melhor gestão da exploração - também ninguém dúvida disto. O que temos de analisar é quantos agricultores estão hoje capazes te ter esse caderno de campo digital, quantos têm computador? Quantos, mesmo que tivessem computador, o conseguiriam utilizar? Bem, dirão alguns, o agricultor pode sempre contratar esses serviços e é aqui que reside a questão, é que numa pequena exploração familiar, com margens de lucro completamente esmagadas pelo sacrossanto mercado, todos os cêntimos contam e podem bem ser estes custos, juntos, que ditam o fim da sua actividade.
No Terreiro do Paço e em Bruxelas, estará tudo bem, os dados chegam agora de forma mais rápida à perfeita “folha de cálculo”, e se, paulatinamente, encerrarem mais uns milhares de pequenas explorações, também não haverá grande problema, a concentração da produção em explorações de maior dimensão resolve. O problema é que os efeitos vão muito mais longe. As aldeias e vilas do mundo rural vão ficar mais despidas de gente, num definhar lento mas infelizmente contínuo.
Perguntarão: mas o PEPAC poderia ser diferente? Claro que podia, fossem outras as opções políticas e tudo poderia ser muito diferente. E não é por incompetência… é absolutamente deliberado!
Artigo de Opinião publicado na revista Voz da Terra n.º 111 - Novembro/Dezembro 2022