2022-01-06

Cereais: uma questão de Soberania Alimentar

Artigo publicado na revista Voz da Terra n.º106, edição dedicada ao sector dos cereais: 

Sem mais demoras, Portugal tem de fomentar a sua produção

Portugal regista dos mais baixos graus de auto-aprovisionamento do mundo em cereais, uma situação grave de dependência externa numa produção essencial que está na base da alimentação, não só no consumo humano como na alimentação animal. De um modo geral, Portugal produz cerca de 20% dos cereais que necessita, mas no trigo, por exemplo, o grau de auto-aprovisionamento é de apenas 4%.
E conforme adiante avançamos no Caderno Técnico desta edição, a área semeada de cereais tem diminuído de uma forma muito acentuada (quebra de 75% nos últimos 30 anos), o que alerta para o perigo de se agravar a dependência do exterior se não forem adoptadas, urgentemente, as políticas necessárias para aumentar a produção nacional.
O sector dos cereais é um dos mais influenciados pela liberalização e globalização dos mercados. A enorme dependência do exterior para suprir as nossas necessidades é fruto dessa liberalização e coloca Portugal numa situação de grande vulnerabilidade.
E a concentração do comércio – negócio – dos cereais aumenta os problemas, na medida em que além de fazer depender a alimentação do povo dos interesses do lucro das multinacionais, faz ainda recair sobre os agricultores a especulação e a instabilidade dos preços ditados pelos mercados internacionais.
Podemos mesmo dizer que a produção de cereais dificilmente será viável no país enquanto os preços continuarem a ser ditados pelos especuladores nas bolsas de mercados de futuros.
A CNA desde sempre tem alertado para os perigos da liberalização e reclamado medidas de regulação dos mercados e da produção e o aumento da produção nacional como garantia da soberania do país.
A produção cerealífera é uma questão de Soberania Alimentar e Portugal deve proteger-se das importações desenfreadas e fomentar a produção nacional, com a adopção de medidas que possam promover o cultivo de cereais a preços justos para os produtores.
Num futuro imediato, será difícil que o país consiga ser auto-suficiente em todos os cereais, mas existe capacidade para produzir muito mais do que produzimos actualmente.
A CNA defende a definição de uma verdadeira estratégia para a produção cerealífera, que não inclua só os regadios de Primavera/Verão mas também as culturas de Outono/Inverno, nos quais somos mais deficitários.
Os cereais de Outono/ Inverno têm um potencial de desenvolvimento no interior do território, seja no Norte com o centeio, por exemplo, seja no reequilíbrio dos sistemas agro-silvo-pastoris, no caso do Alentejo o montado.
Sobre o regadio, importa dizer que colocar o grande investimento público ao serviço de culturas permanentes super-intensivas, muitas vezes na mão de multinacionais orientadas para a exportação é um erro estratégico. No Alentejo, por exemplo, o regadio podia contribuir para aumentar a área e as produtividades de cereais praganosos, tão necessários ao país.
O aumento da produção de cereais é fundamental para colmatar as necessidades da alimentação animal e para reduzir a dependência do exterior em componentes para rações.
Nas pequenas e médias explorações, que integram a produção pecuária com a componente agrícola, é importante garantir a sua autonomia através da viabilização da produção de cereais. Por exemplo, no milho (sendo também verdade para os praganosos em algumas regiões), são necessárias medidas que viabilizem as explorações de pequena e média dimensão dos setores da carne e do leite.
Importa, pois, garantir que sejam colocadas em prática as políticas e os apoios necessários ao desenvolvimento da produção e aumento das produtividades, sem nunca esquecer que para este desígnio não podem ser deixadas para trás as pequenas e médias explorações agrícolas familiares (que são mais de 90% das explorações do país).
E este papel dos agricultores, ao serviço da Soberania Alimentar do país, deve ser apoiado com medidas que lhes protejam os rendimentos e com apoio técnico, transferência de conhecimento e organização necessários para obter os melhores resultados do trabalho.

CNA defende uma medida ligada aos cereais que apoie a Agricultura Familiar

Para a diminuição da produção de cereais, entre outros factores, contribuiu o desligamento das ajudas da PAC da produção. Nesse sentido, a CNA defende que para aumentar a produção nacional é necessário criar um pagamento ligado para os cereais que contemple a produção em todo o país e apoie principalmente a Agricultura Familiar.
Para o período de de Transição da PAC de 2022, o Ministério da Agricultura tinha anunciado uma medida para os cereais que apresentada de incentivadora da produção, mais não era do que voltar a canalizar o apoio para os (alguns) mesmos de sempre, já que nas suas condições de elegibilidade excluía muitas pequenas e médias explorações do Norte do país, que teriam de produzir acima da média para beneficiar da ajuda.
A CNA contestou a forma como a medida estava concebida, mas nunca deixou de defender um apoio ligado para os cereais, ajustado à Agricultura Familiar, e que contribua verdadeiramente para diminuir o grave défice que temos nestas produções.
Assim, a CNA reclama do Governo e do Ministério da Agricultura uma medida ligada aos cereais que contemple o seguinte:

  • As produtividades devem ser adaptadas aos pequenos Agricultores;
  • Comercializar através de uma Organização de Produtores não deve ser condição de elegibilidade, mas pode constituir uma majoração no valor do prémio;
  • Os valores das ajudas devem ser modulados, sendo que os valores mais altos devem ser atribuídos aos pequenos e médios Agricultores e às variedades tradicionais;
  • A produção de cereais para silagem deve ser incluída.

 

VOZ DA TERRA 106 - Setembro / Outubro 2021