2019-08-31

Baldios: uma história de séculos de luta

Baldios, uma história de séculos de luta, um sector âncora para uma economia rural sustentável, um espaço multifuncional ambientalmente incontornável nos dias de hoje

 Por Armando Carvalho

 

A história ensina-nos que a propriedade baldia é uma realidade que vem dos “confins do mundo”, podendo a sua origem ser germânica, árabe ou tribal. Enquanto realidade jurídica, esta foi no antanho uma propriedade indefinidamente adiada. Contudo, suscitou e suscita assaz interesse em todos os períodos marcantes da nossa história, seja por escritores, linguísticos, juristas ou estudiosos. Assim, esta realidade remanescente, cuja génese poderá advir de costumes tribais, tem a sua primeira definição em Portugal, que se conheça, no século XIX, com a entrada em vigor do Código Civil de Seabra, ao considerar os baldios como parte integrante nas coisas comuns. Mas foi na verdade com a Revolução de Abril e a promulgação da lei 39/76 que melhor se acomodou a sua natureza jurídica e o seu enquadramento Constitucional - ao inscrever na Lei Fundamental do País no seu artigo 82º os baldios como “meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais”.

 

A Luta de ontem, os desafios de hoje e a economia local de amanhã

Com o estertor da ditadura de Salazar e Caetano, em algumas regiões do País, os povos dos baldios iniciaram uma luta sem tréguas contra o plano nacional de florestação maciça, concebido na década de quarenta, com a submissão dos baldios ao regime florestal, no sentido da recuperação deste seu património comunitário. Estas acções de protesto e luta acabariam coroadas de êxito com a revolução do 25 de Abril, com a promulgação em 1976 das boas leis 39 e 40/76 e com a ulterior consagração desta importante conquista consagrada na Constituição da República Portuguesa (CRP). Este foi o período a que o mestre escritor Aquilino Ribeiro traduziu a resistência dos Povos dos Baldios num dos seus acervos literários  “Quando os lobos uivam” - de forma emblemática e lapidar: “A serra é dos serranos desde que o mundo é mundo, herdada de Pais para filhos, quem vier para no-la tirar, connosco se há-de haver”.

Seguiu-se um período áureo de mobilização, participação, dos compartes na institucionalização das Assembleia com a eleição dos seus Órgãos gestores. Deu-se início a grandes investimentos nas comunidades locais com realização de importantes obras de interesse económica, social, cultural, ambiental e consequentemente a criação de emprego, tentando colmatar as principais carências herdadas da ditadura. Ainda a procissão estava no adro já os nossos adversários apoiados pelos caciques locais, de cutelo em resiste, ameaçavam liquidar este ancestral direito dos povos serranos, esta importante conquista de Abril, este espaço de pão e liberdade que os capitães de Abril, e a CRP devolveram aos seus legítimos donos, os compartes. Seguiu-se toda a década de oitenta e princípio de noventa do século XX, com apresentação até aos dias de hoje de 26 projectos – leis, por parte dos partidos do PSD, CDS e PS alguns deles com um único objectivo declarado: esbulhar estes bens comunitários às comunidades locais. Foram as grandes mobilizações, concentrações e manifestações de compartes a nível nacional, promovidas pela CNA e o Movimento Associativo dos Baldios, estribados na CRP e a solidariedade activa do PCP, que impediram a consumação de tais intentos.

Em Agosto de 2017, fruto da conjuntura eleitoral, foi possível a aprovação da Lei 75/2017, (lei dos Baldios), que não sendo o projecto inicial da BALADI, indubitavelmente é uma das melhores leis produzidas pela Assembleia da República para este sector comunitário.

 

Com a devolução dos baldios aos povos, com a integração de Portugal na Comunidade Europeia e com as transformações socioeconómicas operadas pela Revolução de Abril, os baldios voltaram a ter uma maior centralidade no mudo rural e na sociedade portuguesa. Foi já neste contexto que se começaram a estruturar as atuais economias locais, sociais e solidárias, assentes nos baldios.

Os baldios, que outrora serviram de complemento a actividades económicas, a sistemas agrários de pendor silvo-pastoril locais, têm vindo a evoluir para uma gestão comunitária baseada em outros recursos endógenos. Tem sido na base destes recursos de exploração de energia hídrica, eólica, solar, águas minerais, massas minerais, pedreiras, etc, (objetos de exploração económica directa) que os órgãos sociais dos baldios satisfazem as principais carências sociais da comunidade, ao mesmo tempo que criam empregos locais. É necessário juntar, a este impulso gerador de bem-estar social e de economia local, politicas públicas valorizadoras do mundo rural, com a manutenção e a criação de serviços públicos de proximidade, que possibilitem a coesão territorial como resultado de uma política de correcção das assimetrias regionais, onde se integram políticas orçamentais, agro-florestais, industriais, ordenamento dos territórios e outras adequadas.

 

Nova dinâmica para a gestão participativa e integrada em áreas comunitárias – GRUPOS DE BALDIOS

É neste contexto que a BALADI oito anos depois da apresentação da sua primeira proposta reclamando a criação de um novo figurino associativo para os baldios conseguiu celebrar com a Secretaria de Estado das Florestas e ICNF, um Contrato-Programa a que se juntou a FORESTIS para a implementação de 20 Agrupamentos de Baldios. É um projecto-piloto a realizar em três anos tendo como seu objectivo geral a sustentabilidade económica, social e ambiental dos espaços comunitários. Em termos específicos pretendem-se: ganhos de economia de escala, de poder reivindicativo e negocial, de facilitação e circulação de informação interna e externa, de captação de investimento, de resposta às questões de prevenção de incêndios, à sistematização de processos e sua integração nas comunidades locais, uma aposta na promoção de espírito colaborativo de inter e intracomunitário a criação de emprego e o desenvolvimento da economia local.

Uma conclusão óbvia a extrair destes 40 anos da devolução dos baldios os seus legítimos donos – os compartes. Valeu e vale a pena lutar! Os compartes lutaram e venceram. Somos o único País da U.E. que tem consagrado no seu Ordenamento Jurídico-Constitucional estes bens como propriedade das comunidades locais com isenções únicas. Para os anais da história fica todo este legado patrimonial de acção e luta, o reconhecimento e fruição pelas gerações vindouras.