2020-08-21

Andam (novos) ventos pela Floresta. De onde vêm eles? Para onde sopram eles?...

Por João Dinis

De facto, há toda uma “conversa”, pretensamente “inovadora”, a agitar a Floresta sobretudo até quando os Incêndios Florestais e Rurais recrudescem no seu ciclo anual “de queima”, carregado de dramas, preocupações e prejuízos de todos os tipos.

Neste particular, impressionam, em oposição prática, uma situação perante a outra, por um lado a intensa propaganda oficial a garantir, periodicamente, todos os meios e recursos para se evitar e controlar os Incêndios e, por outro, a aflição notória das Populações envolvidas por grandes e violentos Incêndios Florestais e Rurais.  Sim, uns poucos, os principais governantes, prometem e reprometem a saída do inferno sazonal… Outros, muitos, as Populações ameaçadas pelo flagelo, tentam não ser sacrificados na fogueira…

Enquanto isso, a grande indústria de transformação de Madeira e de Cortiça mantém em baixa acentuada os Preços da Madeira e da Cortiça na Produção e, sobretudo por causa disso, a Floresta Nacional perde interesse económico nomeadamente nas vastas regiões de minifúndio onde “reinam” o Eucalipto e o Pinheiro que o Sobro (de montado) para Cortiça abunda a Sul na propriedade de maior dimensão.

No contexto, não tem havido nem vontade nem coragem políticas para enfrentar este magno problema – os baixos Preços da Madeira e da Cortiça na Produção – que a grande indústria da Fileira “tem mandado nisto tudo” para aumentar os seus lucros e, também assim, fazer subir a cotação das suas acções na Bolsa…  Ora, enquanto não se “conquistar” o aumento significativo dos Preços na Produção – ao alto na Mata e à entrada das Fábricas, incluindo já as de Biomassa – não se resolvem os maiores problemas da Floresta Nacional !

E, por sobre tudo isto, a ruína da Agricultura Familiar determina o grosso do êxodo rural – quiçá o maior e mais complexo de resolver dos actuais problemas do Mundo Rural – para o que muito têm contribuído a PAC, Política Agrícola Comum, e outros “acordos” que violam a soberania alimentar do nosso País, “acordos” sempre docilmente sufragados por sucessivos Governos nacionais, bastas vezes até “mais papistas que o Papa”... Ou seja, a recuperação do “desastre” que se vive, reclama outras e melhores políticas agro-rurais.

A  Floresta perde interesse económico para Proprietários e Produtores Florestais

mas ganha interesse cada vez mais estratégico para o País e a População.

É, pois, de interesse estratégico nacional anular este desfasamento !

Com destaque para as últimas décadas, os baixos Preços da Madeira na Produção, a perda de valor da Resina, a voracidade regular dos grandes Incêndios Florestais, têm feito desvalorizar a Floresta – alimentando assim um grave problema económico e social, de base. Em consequência, o “desânimo” leva à falta de investimento e de acompanhamento sistemático por parte de uma grande parte dos Proprietários e dos Produtores Florestais e, aqui, geram-se problemas sociais e de ocupação mais correcta dos territórios por Populações a produzir  bens e serviços específicos, no caso a partir da Floresta.

Porém, é evidente hoje mais do que ontem, a Floresta Nacional é particularmente estratégica para se viver melhor em vastíssimas regiões e para influenciar mais positivamente a vida noutras regiões, sobretudo até nos meios citadinos.

Não estamos a falar só ou principalmente na produção directa de Madeira ou Cortiça embora sem esquecer que estes vectores, aliás como é facilmente verificável, têm grande impacto económico e financeiro para o nosso País.

Falamos, sobretudo, dos Bens e Serviços de interesse  Público que a Floresta proporciona. Falamos da defesa dos ecossistemas naturais, da produção de oxigénio e da retenção de carbono, da influência sobre o clima e também sobre os ciclos, também estes vitais, da água. Falamos do grau mais normal de humidade atmosférica, da falta de frescura dos solos e de outras plantas que ficam (ficavam) debaixo das copas das árvores, do “abrigo” para a fauna e para outra flora de menor porte.  Falamos do “verde”, ordenado, da paisagem rural, etc.   Ou seja, não nos será possível viver em condições - viver com boa qualidade de vida -  sem Floresta que não temos “genes” para podermos viver em permanência no “deserto” que já avança em vastas regiões, de Sul para Norte, do litoral para o interior…

Encarando-se assim a situação, como aceitar que o actual PDR, Programa de Desenvolvimento Rural, 2020, registe a mais baixa taxa média de execução (investimento) precisamente no sector Florestal ?  E como aceitar que, sobretudo a partir de 2018, o Governo tenha reduzido as percentagens de co-financiamento nacional em todas as medidas do PDR 2020 para a Floresta, à excepção, note-se, das plantações /produções em regadio – portanto em regime de produção intensiva – incluindo ao investimento em Eucalipto em regadio. Produções (super)intensivas que, repete-se, não viram reduzidas as percentagens de co-financiamento nacional para investimento previstas no actual PDR 2020 via Orçamento do Estado, ao contrário do que aconteceu com as reduções no co-financiamento nacional que foram impostas às produções florestais não-intensivas...

Sendo eu um habitante (com quase 70 anos de idade) de uma das regiões do País mais castigadas pelos violentos e extensos Incêndios Florestais / Rurais dos últimos anos, já noto diferenças de tipo “efeito de fornalha” (não vou dizer “efeito de estufa” para não haver confusões).  Isso significa sentir-se o calor do Sol a “arder” mais em cima da pele e o ar a entrar (mais) quente e seco que antes, para os pulmões. Significa sentirmo-nos a “abafar” num “deserto” em formação acelerada e, isto, porque ficámos sem Floresta em milhares e milhares de hectares seguidos onde a houve e desde  há mais de 100 anos !

Sim, a Floresta ganha mais valia estratégica.  A Floresta é vida !  Logo, deve (re)ganhar mais interesse económico em geral.  E, para estimular, deve haver “compensações” muito práticas – a fazer aumentar os rendimentos -  também para quem a produza em modos de produção não intensivos, fora de regimes de monocultura industrial.  “Compensações” para quem – Proprietários e Produtores Florestais - produza Floresta com o objectivo de também produzir a respectiva “multifuncionalidade”. Uma Floresta (re)plantada em grandes áreas, mais tradicional, muito melhor ordenada, mais protegida e acompanhada.  Sim, aceita-se, na presente situação em que hoje já foi ontem, que se organize um sistema de “majorações” – aumento de ajudas públicas – à Floresta prioritariamente multifuncional, à Floresta não industrial, à Floresta de facto ao serviço da melhoria da nossa qualidade de vida!

“Modulação” e “Plafonamento” das Ajudas Públicas (quaisquer que estas sejam).

Porém, exemplos recentíssimos dão conta que grandes interesses económicos – que também exercem grande influência política - se estão a posicionar para também “abocanharem” muitas das “novas” Ajudas Públicas para a “tal” Floresta multifuncional, as Ajudas genericamente chamadas de “Ajudas Ecossistémicas”. E preparam já os “orçamentos” virados, também, para as próximas Ajudas pela retenção do Carbono…para combater as “alterações climáticas”... Afinal, para “esses” grandes grupos económicos, quanto mais Estado melhor…desde que os Orçamentos do Estado (e da União Europeia) lhes “paguem” bem…

Enfim, não se pretende “proibir” a obtenção de Ajudas Públicas por parte desses grupos económicos – embora estes obtenham lucros enormes na sua actividade “normal” e até tenham a sede fiscal (em regime de “offshore”) fora do nosso País para fugirem aos impostos… 

Ora, um “mecanismo institucional” capaz de lhes refrear a gula e permitir uma mais justa distribuição das verbas públicas, radica na aplicação da “Modulação” – a redução progressiva e por escalões – e no “Plafonamento” – a aplicação de tectos ou limites máximos - a quaisquer Ajudas Públicas a auferir por esses grupos económicos e outros a isso aspirantes.

Fazer aumentar o Preço da Madeira e da Cortiça na Produção é um factor estratégico !

Acontece que o dito “mercado” da Madeira e da Cortiça está sob controlo apertado por parte da grande indústria transformadora e, por isso, a situação reclama uma firme intervenção pública para quebrar essa espécie de “ditadura” industrial/comercial.

Sim, é indispensável o aumento do Preço da Madeira e da Cortiça na Produção que o Preço é, por natureza, um forte elemento estruturante. Ao mesmo tempo, vive-se um contexto em que a boa Madeira muitas vezes está a ser paga à Produção – pela grande indústria de transformação - a Preço abaixo do custo de Produção. E tal como alguém já disse - “produzir madeira não é a mesma coisa que produzir pau”…

Ora, para se ultrapassar esta grande entorse, uma hipótese a explorar será a de se “indexar” o Preço a pagar pela grande Indústria à Produção, ao Preço dos derivados florestais no chamado “mercado”.  E se esse Preço de “mercado” dos derivados descer abaixo de uma “almofada” mínima pré-definida, então o Estado intervém e assegura um diferencial financeiro que garanta um Preço, por assim dizer, final, à Produção a começar pelo Preço ao alto na Mata o qual também tem que ser institucionalmente acompanhado. É uma forma prática de “complementar” o estrito preço (que não é sinónimo de valor…) da matéria-prima Madeira ou Cortiça ou outras, por Ajudas Públicas específicas.  Portanto, assim se conseguindo um Preço “complementado” – no caso, ao alto na Mata ou fora desta - e razoavelmente compensador à Produção. Afinal, nada que não se pratique já noutros sectores, aliás, menos estratégicos que a Floresta para a nossa qualidade de vida.

É difícil? É impraticável? Poderá ser “difícil” mas “impraticável” é que não é. Basta haver vontade e coragem políticas da parte dos principais governantes ! 

E, para ajudar à luta, vontade e coragem - sociais e ambientais - é que não nos faltam, a nós!